08 junho 2006

Aparição II .......

Capa de Livro
Casario e Figuras de um Sonho, 1934, Domingos Alvarez (1906-1942), Centro de Arte Moderna; Lisboa
" E eis que me instalo enfim na minha casa do Alto. Tomado o desvio para São Bento, sobe-se depois aos moinhos: a casa fica ao lado direito. (...) No pátio em frente há um toldo de glicínias que começam a florir, e, debaixo, bancos de madeira apodrecendo. Sob os beirais da casa há sempre um frémito de asas: as primeiras andorinhas. Ao lado, para lá de um caminho rústico, em alto pano de velho muro abre-se em ruínas, mostrando no interior as pedras brancas de sombra. (...) Para longe, ondulam linhas brandas de colinas, salpicadas de casas brancas, donde sobem vozes anónimas de gente, cânticos de galos que vibram no ar com um sinal antigo de terras solitárias. Fixo três grandes pinheiros de vasta copa redonda, não longe dali, a cuja sombra eu me iria estender nas tardes de grande sol. Mas o que eu sobretudo gostava de olhar era a cidade. E eu revejo agora do meio da minha noite, plácida e branca, cercada de infinitude. Instala-se na colina, cisma para a lonjura, onde me abismo também, veste de branco a acumulação dos séculos como um luar de morte. (...) Évora. Évora. (...) Uma ou outra casa branca, perdida na planura, descansa-me os olhos de vertigem da distância. Quedo-me longo tempo ao meu mirante, evoco, no vasto céu, o eco de um coral alentejano, essa voz para o deserto donde nunca se responde... (...)"
Aparição,Cap. XVII, excerto, Vergílio Ferreira

Os meus alunos do 12º ano estudaram este ano, entre outras, a obra de Vergílio Ferreira que dá título a este texto, que se desenrola em Évora, durante um ano lectivo escolar nos idos de 50 do século passado. Interessava-me ler para conhecer um texto deste autor, porque gosto do Alentejo e desejo lá terminar os meus dias. Pedi, então, a um aluno que me emprestasse o livro para ler, já que não havia algum disponível na Biblioteca da Escola.

Terminei hoje e achei-o de uma qualidade fora de série. Estupendo. Uma obra sublime de uma qualidade ímpar e que todos devem ler.

No entanto e, agora vem o lado crítico à política de educação.

Esta e outras obras, obrigatórias para os diversos anos de escolaridade, são tão densas, tão cheia de significados e significantes e enredadas de tramas tão complexas que leva-me a pensar se os alunos conseguirão alcançar o que os autores desejaram transmitir. Por exemplo, nesta obra, Aparição, há uma ligação muito forte com toda a Filosofia Existencialista. Apesar de serem referidos os princípios teóricos dessa corrente filosófica, para pessoas com 16-17 anos, há temas abordados tão complexos que podem colidir com o lado emocional, intelectual e vivencial dos leitores e dessa forma não entenderem profundamente o contexto global da obra.

Não pretendo com esta ideia que se diminua a leitura. Pelo contrário. Há obras que podem ser lidas e bem entendidas para as diferentes faixas etárias e, aí sim, se estimularia a leitura.

Eu, quando estava no oitavo ano unificado, fui obrigado a ler o romance de Carlos de Oliveira, Uma Abelha na Chuva. Disse obrigado porque a obra é tão rica que, para um puto numa idade em transformação hormonal, só é uma chatice...

Será que é necessário uma aparição para que a Ministra da Cultura e da Educação dêem indicações para se escolherem os livros para as idades emocional e intelectualmente certas e assim se estimular a leitura?

Este é o meu pequeno Ponto(s) de Vista de hoje!

5 Comments:

Blogger Francisco Mendes said...

Finalmente, parece que os problemas que afectaram o blogger acalmaram e nos permitem preencher a caixa de comentários.

A culpa do ócio da leitura nos jovens não é apenas do governo... começa em casa. A leitura que interessa aos ocos miúdos quotidianos é a revista Bravo e tudo o que for informação sobre execráveis Morangos com Açúcar...

Forte Abraço!

sexta-feira, junho 09, 2006  
Blogger _+*Ælitis*+_ said...

Ofereceram-me o livro este natal, tenho de o ler!!!

sexta-feira, junho 09, 2006  
Blogger Alexandra said...

Bem... felizmente alguém que pensa como eu!!! Ainda por cima sendo professor... afinal não estou assim tão errada!

Hoje leio muito, mas não foi a escola que me incutiu o interesse, nem tão pouco a família (acho que no meu caso foram uns genezitos por aí perdidos eheh)da escola posso dizer que foi uma verdadeira tortura!!!!!

Excelente Ponto de vista!

sexta-feira, junho 09, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Como se vê, muitos acharam as obras que leram na escola, uma tortura...mas de facto continua tudo na mesma, continuamos a ler essas obras enfadonhas e aborrecidas, ás quais não ligamos a mínima...quanto a mim, leio muito, mas só o que me interessa, que nao sao revistas de fofoca...uma vez que também nao gosto de novelas...nao gosto das revistas.
Gostaria de ver obras adequadas ás idades na escola, enquanto assim nao for, irão sempre haver alunos a achar as aulas uma seca, ainda nem chegaram á sala e já querem ir para a rua...pra evitar a tortura que se avizinha...eu com os meus 19 anos, acreditem que tenho presenciado tudo isto...e estou triste

sábado, junho 10, 2006  
Blogger isabel said...

Se bem me lembro...naquela idade era uma seca ter de ler "aquelas coisas" complicadissimas, que não faziam sentido nenhum. Por isso gostava de Eça. Com as suas descrições exacerbadas, que me faziam "entrar" no livro, conseguia que ficasse fiel à leitura e daí passasse para outros autores.

Beijinhos :)

sábado, junho 10, 2006  

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